segunda-feira, 18 de junho de 2012

Um ano de Festa na Usina Nuclear + Análise filosófica

Dia 14 de junho fez um ano que o Festa na Usina Nuclear foi lançado. Nesse meio tempo aconteceu muita coisa legal: viajei, conheci gente interessante, publiquei em revista, jornal, fui convidado para antologias, dei entrevistas, algumas pessoas começaram a me apresentar como "escritor"... Assim fica até parecendo que eu sou escritor de verdade, e não um alucinado que só escreve maluquice. Minha dúvida é se há realmente alguma diferença entre uma coisa e outra.

Aproveitando a ocasião posto aqui uma espécie análise filosófica sobre o livro, que recebi semana passada, escrita pelo poeta e filósofo Felipe G. A. Moreira; acho que ficou bem interessante. O blog dele é http://aplasticabesta.blogspot.com.br/


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SOBRE O LIVRO FESTA NA USINA NUCLEAR DE RAFAEL SPERLING

Por Felipe Gustavo Alves Moreira


Minha “tese" sobre Festa na usina nuclear, de Rafael Sperling é que esse livro é “maravilhozinho” (na sua ingenuidade). Eu vou tentar desenvolver esse ponto pseudo-conceitualmente.


1. SE FESTA NA USINA DE RAFAEL SPERLING FOSSE UM ARGUMENTO
FILOSÓFICO...

Ele poderia ser pensando nos seguintes termos:

(1) Há uma mesmificação da sensibilidade.
(2) Há um non-sense onírico
(3) Há tensão entre (1) e (2).
(4) Há tensão entre (1) e (2) e isso é tudo.
Logo, a função do escritor é poeticamente porno-bem humoradamente explorar que (4) é
tudo que existe ontologicamente.

Chame esse argumento de Argumento Rafael Sperling.



2. JUSTIFICATIVA

Eu defino (1) mesmificação da sensibilidade como uma apreensão do mundo em termos gerais. Para descrever essa mesmificação da sensibilidade, Rafael Sperling “argumenta” que é preciso (a) rejeitar um dos procedimentos literários dos mais tradicionais (visto que mesmo na Ilíada e na Odisséia, pode-se encontrar esse procedimento), a saber: a descrição de personagens em termos de nome próprio (Aquiles, Don Casmurro, Diadorim, etc) e predicados que o singularizem (tipo “ponto fraco é o calcanhar”, “tem ciúmes de Capitu”, “é vesgo”, etc) e (b) abraçar um procedimento literário relativamente novo, a saber: descrição de personagens em termos gerais e predicados gerais. Eu afirmo que essa mesmificação da sensibilidade perpassa todos os contos. Veja a sequência de textos de “Um homem chamado homem 1, 2 e 3”. Mas considere frases de outros contos tais como “abraçou a pessoa” (p.38), “um homem viajou ao extremo oriente” (p.42), “a Secretária Loura, Bronzeada Pelo Sol, entornaria se estivesse com o Empresário Bem Sucedido De Gravata Azul De Listras Laranjas” (p.64). Eu defino (2) non- sense onírico como uma série de acontecimentos que não parecem seguir nenhum estrutura lógica e que (segundo o homem do senso comum que tem a sensibilidade mesmificada) não ocorrem no mundo real, mas apenas no sonho. Para descrever esse non-sense onírico, Rafael Sperling “argumenta” que é preciso seguir os surrealistas e conceber todo tipo de situação inusitada. Tipo: um bebê que quer transar com uma prostituta. Eu afirmo que esse non-sense onírico também perpassa todos os contos do livro. Ver p.38., p.46, p.64, p. 87, p. 93, p.98, p.101, etc. Se (1) e (2) estão presentes no livro, eu tomo como óbvio que existe uma (3) tensão entre eles. Os surrealistas dariam um passo além de (3) e defenderiam a tese surrealista que (1) é uma aparência; e (2) é uma essência e concluiriam que a função do escritor é revelar esse non-sense onírico que é a essência do mundo. É possível dizer que Rafael Sperling meramente repete ingenuamente a tese surrealista durante o livro todo. Mas eu quero fazer aqui o papel do leitor de boa vontade e aferir a Rafael Sperling uma maturidade literário / filosófica. Logo, eu vou dizer que Rafael Sperling tem consciência da tese surrealista e defende a tese surrealista sutil expressa pela premissa (4): i.e., só há tensão entre (1) e (2), mas o primeiro não é uma aparência que esconde uma essência determinada por (2); (1) e (2) são tão aparentes quanto essenciais; o embate entre eles é tudo que há.


3. MAS É ÓBVIO QUE FESTA NA USINA DE RAFAEL SPERLING NÃO É UM
ARGUMENTO FILOSÓFICO...

Rafel Sperling não é filósofo. Ele não quer provar o Argumento Rafael Sperling. Na verdade, ele propõe que experienciemos esse argumento esteticamente. Logo, não adianta avaliar essas premissas epistemogicalmente (p.ex., em termos de verdadeiro e falso), ou eticamente (p.ex., em termos de bem e mal, ou certo e errado, etc.). É preciso avaliar essas premissas esteticamente. Um modo de fazer isso é pensando essas premissas em termos de saúde e doença qualitativas. Pense em saúde qualitativa como um evento mental intrinsico experienciado como fortunado a partir do ponto de vista da primeira pessoa: um whatitisliketobe (ou comoéqueéqueéser) evento mental com um valor não verbal positivo. Pense em doença qualitativa como um evento mental intrinsico experienciado como desfortunado a partir do ponto de vista da primeira pessoa: um whatitisliketobe (ou comoéqueéqueéser) evento mental com um valor não verbal negativo. De agora em diante, entenda saúde e doença nesses termos definidos acima.


4. NOVE EM DEZ ARTISTAS RESPONDEM AO QUE EU FIZ ACIMA
EXPRESSANDO UMA SAÚDE PARA ELES (MAS UMA DOENÇA PARA MIM)
QUE DIZ QUE...

“Puxa, eu não tinha pensado nisso; mas o fato de você ter pensando não importa. Porque eu sou um artista a-conceitual, que meramente intui tudo aquilo que é e permite que qualquer um desenvolva todo tipo de leitura sobre a minha obra, que é necessariamente aberta; falar meramente Like no facebook ou qualquer outra coisa seria uma apreensão tão interessante quanto a sua para mim”. Chame essa de a Resposta do Artista Cretino. Eu acho que Rafael Sperling pensa assim, porque quase todos os escritores e artistas atuais pensam assim e não há nada em seu livro que aponte para uma outra posição do artista. Mas eu não posso dizer com certeza se Rafael Sperling pensa ou não pensa assim. Então...


5. SE RAFAEL SPERLING ACEITA A RESPOSTA DO ARTISTA CRETINO
COMO SAUDÁVEL, EU DIRIA...

Eu também participei da Escola da Arte de Salvador Dali e se você acha dogmaticamente que tem as intuições do bom escritor, eu me acho gênio e tenho as intuições a-conceituais do gênio; se você se acha gênio, eu me acho Deus e tenho as intuições a-conceituais de Deus; se você se acha Deus, eu me acho um Deus superior; se você se acha um Deus superior, eu me acho DEUSES SUPERIORES.... E se eu soubesse que você acredita nessa lenga-lenga, eu não teria escrito nada. Porque eu já cheguei a conclusão que não vale a pena escrever esse tipo de texto para artistas que seguem caninamente a resposta do artista cretino sem perceber que ela meramente repete dogmas modernistas. Entre artistas cretinos, é preciso se tornar um artistas cretino também tal como eles e ficar fazendo guerra de ego.



6. MAS SE RAFAEL SPERLING NÃO ACEITA A RESPOSTA DO
ARTISTA CRETINO COMO SAUDÁVEL E COMPARTILHA A
SAÚDE (OU, DEPENDENDO DA PERSPECTIVA, A DOENÇA) DE
QUERER CONCEITUALIZAR OBRAS DE ARTE E DISCUTI-LAS
CONCEITUALMENTE COMO EU TENTEI FAZER AQUI, EU DIRIA...

Que eu o considero como um aliado no nível meta-artístico. Considerando que nível meta-artístico engloba todo tipo de apreensão da arte; da crítica acadêmica ao jornal, do facebook ao mercado editorial, etc.


7. MAS NO NÍVEL ARTÍSTICO / FILOSÓFICO...

Minha objeção poético / filosófica é que a ontologia que o Argumento Rafael Sperling nos propõe experienciar artisticamente é muito (para falar como Quine) desértica ou (para falar como Heidegger) pobre de mundo. Eu classifico como ingênua a premissa (4) Há tensão entre (1) e (2) e isso é tudo –– note que eu assumi que ele não é ingênuo de assumir meramente a tese surrealista, meu ponto é que mesmo a tese surrealista sutil é ingênua. A premissa (4) é tão ingênua que o maravilhoso vira um “maravilhozinho” que reduz a pluralidade do mundo a algo muito simples. Há tensão entre (1) e (2), mas isso não é tudo que há: há mais coisas entre o céu e a terra que a vã filosofia / poética de Rafael Sperling explora. Eu tomo essa posição porque eu assumo que (a) tudo que é concebível (isto é, que não envolve contradição), existe fenomenalmente no mundo atual. O âmbito do concebível é quase infinito. Ele não se reduz a uma mesmificação da sensibilidade como Rafael Sperling parece acreditar, ainda que essa também exista; (b) tudo que é inconcebível (isto é, que envolve contradição), existe fenomenalmente no mundo atual. O âmbito do inconcebível também é quase infinito. Ele não se reduz ao non-sense onírico como Rafael Sperling também parece acreditar; (c) tudo que é vago (impossível de determinar se é concebível ou inconcebível), existe fenomenalmente no mundo atual. O domínio do vago também é quase infinito, mas Rafael Sperling parece negar sua existência –– ver, sobretudo, o conto Lado Obscuro das Emoções nesse viés, conto no qual ele não considera que existe a experiência fenomenal de sentir-se, por assim dizer, estranho, sem saber se melancólico ou alegre; (d) a conjunção de (a), (b) e (c) é tudo que existe. Logo, a função do poeta é descrever não apenas porno-bem humoradamente, mas também depressivamente, conceitualmente, violentamente, constrangedoramente... e de todos os modos concebíveis, inconcebíveis e vagos que existem (d). Chame (d) de ontologia barroca e oponha (d) à ontologia desértica / pobre de mundo de Rafael Sperling.



CONCLUSÃO

Festa na usina nuclear, de Rafael Sperling, é “maravilhozinho” (na sua ingenuidade).