terça-feira, 23 de novembro de 2010

Antologia de Prosa Plástico Bolha

Hoje, no CEP 20.000, acontece o relançamento da Antologia de Prosa Plástico Bolha, aqui no Rio de Janeiro, no Espaço Sérgio Porto, Humaitá, às 20:30.

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Primeiro projeto editorial da Editora Oito e Meio, a Antologia de Prosa Plástico Bolha, organizada por Flávia Iriarte, fundadora da Editora Oito e Meio, e Lucas Viriato de Medeiros, idealizador do jornal literário Plástico Bolha, consiste numa cuidadosa seleção de 35 contos de 32 contistas que foram publicadas no Plástico Bolha ao longo de seus 5 anos de existência.

Já tive a oportunidade de ler o livro, e posso dizer que os textos possuem estilos bem variados, uma vez que seus autores vêm de experiências acadêmicas e profissionais bastante distintas, o que torna a leitura agradável e nunca monótona; e apresentam desde as mais delicadas e poéticas situações do cotidiano até os mais loucos e curiosos devaneios surrealistas. Vale lembrar que alguns dos autores já foram publicados, e com trabalhos reconhecidos, como Alice Sant'anna, Augusto Guimaraens Cavalcanti, Tatiana Salem Levy, e Camila Justino.

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Pra quem é de fora do Rio, a antologia pode ser adquirida através do site da editora, pelo link http://www.oitoemeio.com.br/404/catalogo/404/

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Manual de Comportamento

Hoje é dia de aprender a como se comportar da forma correta, para que as outras pessoas não pensem que você é estranho(a) ou deslocado(a) socialmente. Existem certas normas sociais que devem ser seguidas para que você seja percebido(a) como alguém que sabe se comportar. Isso irá fazer com que os outros seres humanos queiram estar perto de você, queiram abraçar você, queriam amar você, queriam trepar loucamente com você, queiram ter 25 filhos com você, queiram elegê-lo(a) o ser humano mais foda do mundo, queriam morrer por você, e, por último, que queiram matar por você.


Primeira lição: Defecar em um banheiro público comum - um manual prático

É importante ressaltar o caráter privado que o ato da defecação possui. Há muitos séculos, o ato de defecar é associado a um momento só seu, no qual mais ninguém deve interferir ou ajudar. Defecar significa estar a sós consigo mesmo, é despejar no mundo o que, por alguns momentos, foi seu, e que só você pode se livrar daquilo.

Portanto, quando quiser defecar, vá para um local ermo, vazio, solitário. De preferência utilize um banheiro limpo. Dentro do banheiro você deverá encontrar um dispositivo com água no seu interior, o tal "vaso sanitário", ou "privada" (mais uma vez aqui podemos notar o caráter privado do ato de despejar nossos dejetos; a palavra "privada" é simplesmente o feminino de "privado"). Avistando a privada, você deverá remover a roupa de seus membros inferiores; no caso de ser homem, remover suas calças, shorts, bermudas, cuecas ou sungas. No caso de ser mulher, suas calças, saias, vestidos, calcinhas ou biquínis. É interessante lembrar que algumas pessoas gostar de praticar este ato solitário totalmente nus, por se sentirem mais à vontade, mas isso é totalmente desnecessário. Após remover a parte inferior de suas vestes, abra a tampa da privada e sente-se na tábua do vaso. É importante não se sentar diretamente no vaso, pois ele certamente estará mais sujo que do que a tábua (a não ser que alguém tenha despejado seus dejetos diretamente na tábua, o que é pouco provável), e, geralmente, a abertura do vaso é maior do que a de sua tábua, de forma que é possível que você caia dentro do vaso caso tente sentar-se dessa forma. Muito bem, agora que você está sentado(a) no vaso, o processo de defecar (ou "cagar", como se diz popularmente, ou ainda, "fazer cocô", como dizem as crianças ao se referirem ao ato) irá, de fato, se iniciar. Relaxando seu esfíncter, e contraindo as paredes de seu reto fará com que as fezes saiam de dentro de seu corpo. Não se preocupe, quando isto estiver acontecendo você certamente irá notar. Relaxe, e deixe que toda a matéria fecal seja eliminada. Ao término desta etapa, você deverá realizar uma limpeza da região anal, seja utilizando o "papel higiênico" (encontrado na maior parte dos banheiros), que deverá ser utilizado sendo esfregado manualmente contra seu ânus sujo (você deverá utilizar várias amostras desse papel, até que o ânus aparente estar limpo) ou utilizando o "bidê", dispositivo que no qual nos sentamos, e que lança água verticalmente, em direção ao seu ânus, a uma alta velocidade e pressão, fazendo uma excelente limpeza anal.

Pronto, agora você já terminou de defecar. Vista-se, lave as mãos e saia do banheiro. Antes disso, verifique se o banheiro não ficou com um fedor muito forte. No caso disso vir a acontecer, utilize um desodorizador, para que um cheiro agradável e perfumado se espalhe pelo banheiro, fazendo com que o próximo usuário do banheiro não tenha ânsias de vômito ao adentrar o recinto.




Segunda lição: Comendo em local público.

Todos nós já nos perguntamos: qual a melhor maneira de comer? Como tornar este um ato agradável e elegante? Como ser bem visto pelos outros na hora de se alimentar?

O mais importante é não fazer muita sujeira. Deve-se derramar o mínimo de comida na mesa, no chão, e nas suas roupas (e nas dos outros). Lembre-se de que comer deve significar elegância e estilo. Você não precisa comer feito um lorde inglês, mas alguns poucos bons modos serão muito bem vindos quando estiver num local público.

Um desses bons modos é não comer com as mãos. Existem ferramentas conhecidas como "talheres" que são utilizadas há alguns séculos; não utilizá-los é grave gafe à mesa, você será visto como um ogro, ou como um animal selvagem. Podemos abrir exceção para os seguintes alimentos, que tradicionalmente são comidos com as mãos, como, por exemplo, sanduíches, alcachofras, batatas chips, caranguejo, e milho. É importante não brincar coma comida. Por mais que isso seja tentador, fazer pequenas esculturas ou chocar um alimento contra o outro de forma que a comida voe para fora do prato são atos de selvageria aguda.

Levar o rosto diretamente ao prato é considerado, em geral, deselegante. Uma das razões é que, comendo desta forma, certamente alguma comida irá grudar em seu rosto, principalmente em torno da boca, o que não é algo bom. Tomar sopa desta forma fará com que se assemelhe a um cão bebendo água. Um outro motivo é que muitos alimentos, como carnes, precisam ser cortados em pedaços menores, e comendo com o rosto diretamente no prato fará com que você tenha de utilizar as mãos também no processo, o que nos leva ao motivo já mencionado no início do parágrafo anterior.

É importante lembrar de comer de sempre de boca fechada; assim que levar o alimento à boca, feche-a imediatamente, de forma que a comida não caia para fora - o que nos leva a algo que recomendo fortemente, que é não mostrar a comida que está dentro de sua boca para os outros da mesa. Isso é considerado um ato incrivelmente nojento e fará com que as pessoas tenham ânsia de vômito, além do perigo da comida cair para fora de sua boca e lhe sujar, ou sujar a mesa, ou outra pessoa.

Arrotos e peidos não são bem mais vistos socialmente. Segures os gases e os libere no banheiro. Essa lição vale para outros tipos de encontros sociais como shows, peças de teatro, cinema, festas em apartamentos, etc.

Lembre-se: comer deve significar limpeza e elegância, e não sujeira, nojeira e selvageria.




Terceira lição: Bebendo água em público

Veja bem: se você quiser, em sua casa, sozinho, beber água de uma forma estúpida, nojenta, retardada e grotesca, é problema seu e de mais ninguém. Ninguém vai saber mesmo. Mas caso você resolva se deleitar em público com esse líquido magnífico que a natureza nos proveu, deverá seguir algumas normas socialmente estabelecidas, ou pelo menos não poderá passar de certos pontos.

A água deve ser colocada, de preferência, em um copo. Pode-se beber diretamente de uma garrafa, mas tão somente se a garrafa for de uso exclusivo seu. Quebrar esta regra fará com que as pessoas lhe considerem um porco.

Também é deselegante colocar a boca diretamente na torneira ou filtro. É algo um tanto animalesco se for pensar, além de que você facilmente se engasgará.

Beba água de forma que ela não caia para fora de sua boca. Embora isso seja relativamente fácil de acontecer, deve-se evitar que isso aconteça. Por isso, não beba com a boca aberta demais, como se estivesse bocejando, pois isso fará com que você tenha pouco controle da água que entra, e nem com a boca fechada demais, já que isso dificultará a sua entrada, fazendo com que a boca não comporte o fluxo de água que entra e a água transborde para os lados do copo.

Algumas outras coisas que deve-se evitar é beber falando ou gritando. Grandes chances de que você engasgue, e os outros não irão entender o que você fala. Também deve-se evitar fazer outras coisas com a mão que está levando o copo à boca, como, por exemplo, ajeitar o cabelo com a mesma mão que segura o copo, a água acabará sendo derramada em você mesmo, talvez no seu cabelo.

Nunca jogue água nas outras pessoas, especialmente em situações formais, pode causar grandes constrangimentos, você será taxado de "retardado" ou "mongoloide".




Quarta lição: Falando em público.

Falar. Um ato tão nobre. Expor ideias, anseios e opiniões. Uma das poucas coisas que nos separa dos animais irracionais. Então por que não falar de forma correta, bela e elegante? Quando estiver falando sozinho pode-se abandonar essas regras, mas em público deve-se levá-las em conta.

Assim como no ato de beber água, não se deve falar nem com a boca aberta demais, nem com a boca fechada demais. Falar tanto com a boca muito aberta quanto muito fechada fará com que você não articule as sílabas da forma correta, fazendo você parecer uma pessoa idiota que não aprendeu a falar, além de que as pessoas não o compreenderão. Fale com a boca aberta na medida certa, abrindo a boca somente o necessário. Enquanto não estiver falando é recomendado que feche completamente a boca. Ficando com a boca aberta você corre o risco de que algo caia lá dentro, ou de se passar por maluco e doente mental, especialmente se resolver ficar com a boca escancarada.

Na hora de falar você deve estar a uma distância compatível com o seu volume de voz e de intimidade com a pessoa. Falar com a boca colada ao ouvido de alguém é reservado somente a parceiros sexuais. Quando quiser fazer isso, não grite, de preferência, sussurre. Gritando fará com que a outra pessoa sinta grande desconforto e raiva de você, o fazendo parecer um deslocado social. Falando de longe requerirá uma grande potência vocal. Quanto mais longe, mais forte deverá ser sua fala. Não recomendo que converse com alguém que esteja a mais de 45 metros de você, especialmente se for um assunto muito sério ou complexo.




Quinta lição: Se matando em público.

Suicidar-se. O ato libertário final; o ato egoísta que nos leva desse lugar tão estranho e sombrio que é o nosso planeta. Se vamos, antes da hora, partir dessa pra uma melhor, por que não fazê-lo com estilo, limpeza e bons modos? Se você é sozinho no mundo, e/ou quer se matar num local privado, tudo bem, exploda-se, estraçalhe-se, mas ao se matar em público é recomendado que siga algumas recomendações.

Não estraçalhe o seu corpo, de forma alguma. Não se jogue em algum triturador, ou esmagador. Isso atrapalhará sua família a recolher seus restos, e tornará este processo um tanto nojento.

Não decepe pedaços seus. Não corte seu tronco ao meio, ou a cabeça, as penar ou os braços. Você perderá muito sangue e pedaços internos seus poderão sair para fora, o que é nojento.

Uma forma limpa de se matar é com o gás de cozinha, ou tomando algum veneno por via oral. As pessoas ficarão tristes (ou não) com a sua morte, mas ao mesmo tempo felizes por não terem que recolher seus pedaços (se matar em público com gás de cozinha é um tanto perigoso, pois mais pessoas acabarão morrendo com você. Caso sejam pessoas que você não aprecia, tudo bem. Senão, evite esta forma de morte).

De preferência, não se mate em locais públicos. Assistir a pessoas se suicidando não é o que se espera de um domingo no parque com seus filhos. Muito menos quando você for se matar utilizando uma dinamite amarrada ao tronco.



Este foi um manual prático em 5 lições. Esperamos que faça bom uso delas.




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Gostaria de agradecer a todos que votaram em mim para o prêmio Topblog. Não fiquei entre entre os 3 finalistas da categoria, infelizmente. No entanto, durante a votação, fiquei entre os 30 mais votados, o que já é alguma coisa. Obrigado a todos!

domingo, 7 de novembro de 2010

Um reflexo dos dias de hoje

Depois de passar a noite em claro, o pai consegue conversar com o médico, que sai de dentro da sala de parto.

—E então, doutor?
—Pode ficar tranquilo, a criança nasceu! E sua esposa está bem, está descansando agora.
—O bebê está bem?
—Sim, está, é uma criança saudável.
—Ah, graças a Deus! Me diga, é menino ou menina? Estou curioso, o ultra-som não conseguia dizer o sexo da criança por algum motivo desconhecido...
—É, gostaria de conversar com você sobre este assunto. Vamos para a minha sala.

Eles caminham alguns metros até a sala particular do médico na casa de saúde.

—Não estou entendendo, qual o problema? Gostaria de ver meu filho. A criança não nasceu saudável?
—Sim, nasceu... é que... bem...
—Diga, doutor, qual o problema? E qual o sexo da criança?
—É aí que está o problema. Nós não sabemos.
—Como assim?
—O sexo da criança é ambíguo.
—Ambíguo?
—É.
—Mas... como? Ela é hermafrodita?
—Não, nada disso. Você tem que entender, é um reflexo dos dias de hoje. Algumas crianças têm nascido assim. Essa dicotomia feminino/masculino está sendo lentamente abandonada pela nossa espécie.
—Nossa, não tinha noção disso. Esta parece ser uma péssima condição para meu filho, digo, filha, enfim, talvez seja uma pessoa socialmente excluída por esta razão.
—Diria que não; isso pode ser estranho para pessoas da nossa geração, mas com as novas será diferente, pois é um fenômeno crescente. Cada vez mais crianças têm nascido assim. A geração de seu filho achará isso algo normal. Alguns cientistas estão até propondo que seja criada uma denominação nova, algo que indique um terceiro sexo, algo tipo mascufêmeo, ou femimásculo, ouvi dizer.
—Isso é realmente estranho, não faz sentido pra mim. Mas e o formato do órgão sexual? Não deixa evidente o sexo do bebê?
—Bom, é meio difícil de explicar, seria melhor que visse com seus próprios olhos. Por que não vamos lá ver a criança?

Eles caminham até a sala de parto. A esposa está dormindo. Os dois se aproximam do berço onde o bebê se encontra sob os cuidados de uma enfermeira.

—Aqui está seu bebê - diz a enfermeira.

O pai o toma em seus braços, emocionado, e o observa por algum tempo.

—É, doutor, você tem razão, seu sexo é ambíguo mesmo.
—Não falei?
—Olhando assim fica difícil dizer se é menino ou menina.
—Pois é. Talvez isso não seja mais tão importante, no final das contas.