Numa sala de aula.
—"Eu sou uma amora, bela e resplandecente, no meio do jardim". Repitam.
—"Eu sou uma amora, bela e resplandecente, no meio do jardim" — repetem as crianças.
—Isso, muito bem. Lembrem-se de que quando vocês dizem esta frase, vocês se tornam ela.
—Sim — articulam as crianças com suas bocas cheias de saliva a escorrer para dentro de seus potes de sorvete.
—Vamos lá, repitam mais uma vez!
Então, as crianças que agora eram amoras belas e resplandecentes, no meio de jardins, repetem:
—"Eu sou uma amora, bela e resplandecente, no meio do jardim" — e as crianças se tornam ainda mais belas e resplandecentes amoras no meio de jardins.
A professora caminha e caminha por entre jardins encantadores e ensolarados, repletos de amoreiras cheias de amoras maduras, belas e resplandecentes. A professora sobe numa das árvores e colhe uma das amoras.
—Mas que amorazinha mais bonitinha!
—Haha, obrigada, querida professora!
A professora escancara sua boca e se prepara para abocanhar a pequenina amorazinha.
—O que você está fazendo, profess...
Antes que a indefesa aluna termine sua frase, a professora arranca impiedosamente um pedaço de sua bochecha. Os alunos se assustam e berram loucamente, assustados, enquanto veem o sangue jorrando da cabeça da coleguinha.
—Nossa, mas que amora mais deliciosa — a professora diz após mastigar e engolir o pedaço de amora.
Ela caminha mais um pouco pelos campestres jardins. Mas são tantas amoras! Agora venta bastante, as amoras todas se balançam e se agitam, como se estivessem correndo de um lado para o outro.
A aluna agoniza em espasmos, tentando estancar o sangue que escorre de seu rosto, e seus coleguinhas, assustados, tentam fugir da sala de aula.
—Venham cá, amoras! Preciso de vocês dançando em meu estômago.
E as crianças gritam esmurrando a porta da sala de aula, que não conseguem abrir. Uma das alunas, a mais esperta, pensa e diz:
—"A professora é de chocolate e podemos comê-la", repitam, repitam!
—"A professora é de chocolate e podemos comê-la" — repetem as amoras, e o corpo da professora passa a ser de chocolate.
Os alunos correm em direção à professora, com o intuito de destruí-la, e esta passa a fugir dos alunos.
As amoras se chocam contra o chocolate, ficando marrons e lambuzadas, num grande pote de sorvete prateado.
O sorvete arromba a porta da sala de aula derrubando os alunos e a professora, levando-os para fora da sala de aula, através da porta.
O sorvete de amoras achocolatadas adentra a boca do menino, que babava abundantemente em cima de seu pote, e cai em seu estômago, além de cair um pouco também em sua roupa. A professora e os alunos acordam numa sala escura, de onde não podem mais sair.
Em alguns momentos o estômago do menino começa a digerir as amoras achocolatadas, o que o faz passar muito mal, uma vez que ele comeu mais do que devia. O menino vomita dentro do pote de sorvete prateado, devolvendo todos à sala de aula.
A professora pede desculpas às amoras pelo que fez, dizendo que perdeu a cabeça durante a aula. Os alunos dizem que a perdoam e declaram a ela todo o seu amor, de forma satânica e onomatopaica, mas silenciosa, apenas utilizando os sinais de odor que o corpo emite, num silêncio gritante de horror infantil angelical.
Então a mãe do menino pega o pote de sorvete vomitado e fica com tanto nojo que o joga direto no lixo.
—Você não sabe comer direito, é realmente um porquinho — diz mãe para o porquinho que agora rola numa poça de lama no meio de um jardim, ao lado de uma amoreira de frutos belos e resplandecentes.
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O conto, escrito a convite de Daniel Ribas, mestre de cerimônia do último Clube da Leitura (evento literário que acontece aqui no Rio de Janeiro), apesar de totalmente insano, foi o mais votado da noite; postado originalmente aqui, no blog do evento.
domingo, 13 de fevereiro de 2011
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23 comentários:
Que história gostosa de ler...muito boa.
abraços
Depois de ler seu blog a única coisa que consigo pensar é: genial.
Beijos
Estou com fome =99
Com ou sem insanidade e teria votado nele!
Abraços,
Caju.
poxa, esse deu saudades de passar por aqui, viu.. (coisa q deve voltar a acontecer mais vezes agora, p minha sorte..)
qto ao porquinho, identifiquei-me com a parte do vomito de volta no pote... me aconteceu isso uma vez, em que 'devolvi' o sorvete pro pote...
*feliz resto de domingo ae...
abraço grande.
p.s.: o sorvete n era de amora achocolatadas.
Me veio um questionamento:
E se o universo tivesse 11 dimensões?
Rafael, adorei!
Adoro chocolate com frutas vermelhas, espero que ao menos a professora seja gostosa =D
pior que fez sentido.
Aliás, o que mais assusta é isso.
putz! q loucura esta sala de aula eim?
muito bom ...
;-)
O texto foi ótimo, a aula, chatíssima!
hahahahah
Abraz
Que insanidade saborosa e discutível!
Olá Rafael
Obrigado pela visita.
Bjux
Rafael é de açaí e podemos comê-lo!
Repitam!
Huhauhuahuhau.
Deu fome.
=*
"Rafael é de açaí é podemos comê-lo"
hahahahahaha
Essa foi demais!
Amoras achocolatadas devem ter um sabor bem legal. Principalmente num pote de sorvete.
Abraço!
"Rafael é de açaí é podemos comê-lo"
hauhauahuahuahua
A minha primeira reação a ler esse texto foi:"que medo dessa professora..." Mas quando terminei fiquei com aquela sensação: "UOL, esse foi um texto genial".
Gostei muito do texto.
bjus =*
Texto gostoso de ler, os olhos correm suaves pelas linhas como num parque de diversão!
Um Abraço!!!
que texto louco! Hahaha adorei o final. Abraços
... MEDO.
PS: acho que vc se daria bem fazendo filmes de terror ou algo do tipo ;)
amei
incomodo bom de ler.
Insano ou não, achei muito bom.
Você tem realmente muito talento.
Beijos!
Rafael, apenas para dizer que apesar do morango (ou da amora) ser bem diferente do chocolate, é uma diferença boa e sã, que gera por sua vez a soma. Espero que também sinta algo (espanto, identificação ou algum tipo de prazer) ao ler o que escrevo. Gostei do seu texto! Bjos,
Michelle K.
Ps.: www.poetasaindaexistem.blogspot.com
o mais genial que li por aqui
eu me sinto um tanto quanto perturbada após ler seus post hahaha
muito bom!
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