No espetáculo teatral de um determinado artista, foi adotado um dispositivo luminoso capaz de exibir mensagens; textos curtos. O objetivo do aparelho era fazer o público compreender melhor o monólogo (que era composto de diversos textos, muito contrastantes), exibindo mensagens que elucidassem o caráter de cada trecho da obra. Embora não fosse considerado pelo artista como algo essencial, o dispositivo vinha sendo empregado também em diversos outros espetáculos da época, e o público estava começando a se acostumar com sua utilização.
Portanto, durante o espetáculo, quando o artista interpretava, por exemplo, um texto cômico, o dispositivo mostrava, em letras grandes e vermelhas: TEXTO CÔMICO; quando um texto triste, era exibido: TEXTO TRISTE; ou quando lia um revoltante: TEXTO REVOLTANTE.
O público, seguindo à risca o que era exibido pelo dispositivo, ria nos textos cômicos, chorava nos tristes, e se revoltava e gritava durante os revoltantes.
Várias semanas se passaram com o dispositivo funcionando perfeitamente; até que por falta de sorte, durante um determinado espetáculo, o dispositivo começou a apresentar problemas.
Durante alguns segundos, o dispositivo piscou de forma desordenada e exibiu letras aleatórias, ao acaso, até que voltou a exibir uma mensagem novamente. Isso aconteceu durante um texto cômico, e o público, que estava rindo, passou a chorar, copiosamente. O artista estranhou, e, para sua surpresa, quando olhou para o dispositivo, estava sendo exibida a mensagem "TEXTO TRISTE". A mesma situação se repetiu no texto seguinte, que era de caráter revoltante; durante a encenação, o dispositivo, que exibia a mensagem "TEXTO REVOLTANTE", passou a exibir "TEXTO CÔMICO", e o público, que estava berrando revoltado, passou a gargalhar das palavras revoltantes do artista.
Após alguns momentos, o aparelho começou exibir letras aleatórias e a soltar fumaça, até pifar de vez, de forma que nenhum texto mais pode ser exibido para o público. No momento em que isso aconteceu, foi possível ouvir um barulho, não muito alto, mas que conseguiu chamar a atenção do artista, que percebeu o que acontecera.
Por não se tratar de algo vital para a execução do espetáculo, o artista continuou a encenação.
Para a sua surpresa, depois da falha do dispositivo, o público parou de responder aos textos. Como o dispositivo nada mais mostrou, o público não mais riu, chorou ou se revoltou aos gritos, e assim permaneceu até o fim do espetáculo. As pessoas, simplesmente, ficaram sentadas, apáticas, olhando para o palco, em silêncio, aparentando não estar mais entendendo o conteúdo do texto representado.
domingo, 24 de outubro de 2010
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16 comentários:
Muito bom, mestre! Há muito mais painéis por aí condicionando o público. Que todos quebrem!
E como há paineis assim por aí...
Beijo
É mesmo impressionante como esperamos os comandos para as nossas emoções.
As minhas, por tantas vezes, funcionam como se o painel diante de mim estivesse louco. Ontem mesmo estava num casamento. E chorei. Eu sempre choro em casamentos. Me comove, sei lá...
Certas piadas, de mal gosto, com conteúdo preconceituoso, por exemplo, não me arrancam riso algum, são simplesmente revoltantes.
E por aí vai...
Eu prefiro o meu painel quebrado. Prefiro reagir do jeito que o fato me toca. Inclusive com apatia, àquilo que não chega perto de mim...
Um ótimo texto pra refletir, Rafa... Vou citá-lo por aí, nas minhas "falações" pro povo, posso?
Beijos e ótimo domingo!
Moni
Aaaaaaaaaaaah. explodam o dispositivo! Deixo aqui meu protesto como estudante/pseudo/atriz de teatro.
NOOOOOOOOOOO!
hauhauahuahuaau
(votado! ;D)
PS: eu votei e tinha esquecido que tinha votado, ai fui tentar votar de novo e frustrei-me por não conseguir.
As vezes me sinto tão anestesiada quando o publico do tal espetaculo... A coisa é tão chata que as vezes as pessoas me sacodem pra perguntar se ainda estou viva (Ai eu respondo que já morri)
=]
Muito bom Rafael; só uma errata: entendo= entendendo.
Boa sorte!
Isso mexeu demais comigo na noite de ontem...
ah... havia esquecido que você tem esse dom e eu adoro isso! ;)
mais um pouco de morfina...
por gentileza.
excelente.
Acho que pesquei a crítica do Pacheco, e está mais ligada à forma como o final foi escrito do que o final em si. Até porque é no final que você conclui a idéia. Mas isso eu prefiro conversar com você do que criticar no blog, plóin.
Assim como o público precisa de cultura, às vezes o artista precisa de legenda... não gosto da idéia de que o público se torne refém de uma legenda, mas também não gosto da idéia de que o artista se aliene completamente do público.
Gostei bastante do texto!
Abraço
Adorei o texto!!
Já votei!!
bjocas
Adorei o texto!!
Já votei!!
bjocas
Cara, peço licença para linkar seu texto com um texto político que estou escrevendo em um blog secundário meu: o Meados e Miúdos.
Se quiser que eu remova o link, me avise!
Abraço,
Edu
Logo, em alguns espetáculos, haverá profissionais qualificados para ensinar a rir, chorar e se revoltar.
Imagina pagar a entrada e não saber nem o que se deve fazer lá dentro!
Ótimo texto.
Abraço.
Isto retrata perfeitamente o momento em que vivemos com as campanhas eleitorais ... alienação total da realidade e como um bando de cordeiros o povo segue o pastor segundo sua vontade ...
muito triste mas enfim ...
;-)
Você é surpreendente. Muito muito bom mesmo.
O público precisa sentir o que o artista sente. Sentir a sensibilidade rsrs
Destruam esses dispositivos mesmo!
Beijo Rafa :*
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